
Vítimas da guerra civil, dezenas de mutilados uniram-se para fundar um clube de futebol. Jogam com um pé a menos e não vale chutar com a canadiana, mas esta experiência devolve a muitos o gosto pela vida.
Mohamed Lappid, um apaixonado do futebol desde os tempos da escola, lembra-se perfeitamente do dia em recomeçou a tentar jogar. Torturando cada um dos seus músculos, esforçava-se por chutar a bola. Falhava, voltava atentar e a falhar, mas sentia realmente necessidade de jogar… precisou de um mês para conseguir chutar a bola. Porque, como milhares de outros civis, Mohammed, que tem hoje 22 anos, perdeu uma perna durante a guerra civil que enlutou a Serra Leoa.
O futebol para atletas só com uma perna não é diferente do futebol tradicional. Mas o corpo prega partidas, a bola é um aliado pouco fiável e basta uma canadiana tropeçar num torrão de terra para nos fazer cair como uma árvore ao ser abatida. «Éramos poucos para formar uma equipa. Poucos com coragem suficiente para chutar uma bola», explica Lappid, que, como os outros membros da equipa, se desloca no terreno sem utilizar próteses, apenas com a ajuda das canadianas. «Foi muito duro», acrescenta.
A guerra civil, que durou dez anos, deixou milhares de pessoas deficientes. As milícias tinham o hábito de cortar as mãos ou os pés às suas vítimas, de lhes vazar plástico derretido nos olhos ou de lhes infligir outras mutilações. Lappid foi levado para o hospital, mas teve de esperar um mês antes de ser tratado, pois todos os médicos tinham fugido. «Quando as dores eram muito fortes, punha-me a chorar e implorava: “Que Deus me leve”, mas agora percebo que Deus queria que eu fosse alguém e foi por isso que não atendeu os meus pedidos». Hoje, Lappid é membro do Clube Desportivo dos Mutilados, tem 80 associados e faz alinhar três equipas de futebol.
«Voltei a ter coragem»
Quando as equipas do CDM entram em campo, o público fica abismado coma a velocidade, energia e habilidade dos jogadores. As regras do jogo proíbem o uso das canadianas para bater a bola e o rosto do jogadores parece reflectir duas vezes mais sofrimento e esforço do que o dos jogadores válidos, que minutos antes ocupavam o campo. «É empolgantes», declara Dee Malchow, enfermeira de Seattle, também portadora de deficiência, que se considera um pouco a madrinha da equipa, desde que começou a entusiasmá-los a jogar futebol.«Fico com lágrimas nos olhos quando os vejo!» Antes de perder a perna, Lappid era destro. «Agora, quando recebo uma bola e faço um passe, é indiferente! Passo a bola a um dos companheiros de equipa. Ele finta e atira à baliza. Se eu ou um dos meus companheiros de equipa marca golo, fico feliz. Agarramo-nos todos uns aos outros e damos largas à nossa alegria!»
«A alegria que sinto quando chuto uma bola é mais importante do que a que sentia quando jogava com as duas pernas. Torna-me feliz. Permite que me afirme face aos outros», conta Obai Sessai, que é defesa. Aos seus olhos, fazer parte duma equipa atenua-lhe o sofrimento, pois faz parte de um grupo com quem pode partilhá-lo. «Antes de fazer parte desta equipa, não tinha para onde ir. Sentava-me a um canto, sozinho, com pena de mim próprio. Desde que jogo futebol, já não fico sozinho a ver passar o tempo. A minha vida mudou: voltei a ter coragem e já não penso na minha deficiência. Tornei-me uma pessoa importante, na sociedade. Para onde quer que vá, faço novos amigos», acrescenta, por seu turno, Mohammed Lappid.
Este vive numa pequena cabana de folhas de palmeira, no meio de esgotos a céu aberto e lumes a apodrecer. Mesmo para uma pessoa válida, não é fácil escapulir-se até à entrada da habitação, fechada por uma simples cortina. No interior, à luz fraca de uma vela, Lappid fala em voz suave. «Não conseguimos acabar com a dor, vamos senti-la até que Deus nos chame», explica. Há dois anos que está a fazer o curso de Direito e, a partir de agora, tem projectos para o futuro. Como se nos mostrasse um mapa do tesouro escondido, conta-nos as suas esperanças: casar com a namorada, acabar o curso e tornar-se advogado, como o avô. «Espero que as pessoas percebam um dia que somos capazes de fazer grandes coisa, não apenas jogar futebol», remata.
(Robin Dixon)
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